sábado, 26 de setembro de 2009

Enquanto isso, na América



O que George Méliès estava descobrindo/inventando, de forma meio intuitiva, era a narrativa cinematográfica: no lugar de um registro que fosse um decalque da realidade, ele estava lançando as bases do filme como forma de contar uma história, isto é, do cinema como criação. Isso teve uma importância decisiva porque, como curiosidade de parque de diversões ou de teatro de variedades, o cinema já começava a dar sinais de exaustão.

sábado, 19 de setembro de 2009

O ilusionista




Tão impressionante quanto o rápido desenvolvimento tecnológico do cinema nos primeiros anos de sua existência - a contar da primeira projeção pública realizada pelos Irmãos Lumière, em 28 de dezembro de 1895, em Paris - foi a igualmente rápida invenção de sua linguagem, com vocabulário, unidades narrativas e gramática próprios, criados a partir do nada. É curioso observar que o cinema, entendido em suas origens como uma forma de entretenimento popular próxima a uma atração circense, tenha dado o seu primeiro passo rumo ao status de "arte" justamente pelas mãos de um mágico e ilusionista, Georges Méliès (1861-1938), que aliás estava na platéia da sessão inaugural dos Lumière.

Entre 1896 e 1906, Méliès realizou mais de 500 filmes (cerca de 140 sobreviveram) de curta duração (muitos de apenas 1 minuto), dos quais o mais famoso é certamente Viagem à Lua, de 1902, inspirado em Jules Verne. Meliès navegou por diversos gêneros, da ficção científica e da fantasia (Cinderella, 1899) à narrativa histórica e ao docudrama (L'Affaire Dreyfus, 1899) Sua empresa, a Star Film, considerada o primeiro estúdio cinematográfico da Europa, foi literalmente um laboratório de experimentações com a técnica e a linguagem - e muitas vezes as duas se confundiam, por exemplo: a superposição de imagens foi um recurso técnico pioneiro de Méliès, mas também um recurso estético, como em L'homme orchestre (1900). O "stop-action", a perspectiva forçada e as filmagens em velocidades alteradas foram outras de suas criações.





Méliès provocou um salto qualitativo no cinema, então ainda na sua infância, ao compreender que o filme não pode ser um decalque da realidade, como pretendiam seus predecessores; que o novo meio tinha um tempo e uma natureza próprios, cuja realizção plena exigia a exploração e a manipulação de recursos óticos e efeitos especiais. Enquanto outros pioneiros saíam às ruas para registrar diferentes cenas do cotidiano, Méliès já entendia o cinema como o império da imaginação e da fantasia - como uma "fábrica de ilusões".

Não foi à toa que Chaplin o chamou de "o alquimista da luz", enquanto D.W. Griffith declarou: "Eu devo tudo a ele". Por outro lado, Méliès também teve suas limitações: não rompeu inteiramente com algumas convenções do teatro de variedades, nem extrapolou o formato da câmera parada e do quadro fixo. E, o que é mais importante, sequer desconfiou do impacto social, econômico e cultural que rapidamente teria a arte cuja linguagem ajudou a inventar, nem acompanhou as mudanças de sua dinâmica produtiva.

Nem mesmo a inventividade de Méliès conseguiu acompanhar o apetite do público por outras novidades, que os primeiros grandes estúdios começavam a oferecer. Em 1913 a sua empresa foi à falência e acabou sendo comprada pela Pathé Frères, na época já uma gigante da distribuição: nos primórdis do cinema francês, Charles Pathé foi para o lado indústria o que Méliès foi para o lado arte e entretenimento, transformando uma atividade artesanal num ambicioso negócio, qe ele ao poucos dominou vertical e horizontalmente, na produção, na distriuição e na exibição.

Arruinado financeiramente, Méliès foi esquecido e passou a trabalhar como vendedor de brinquedos. Durante a Primeira Guerra, boa parte dos negativos de seus filmes foi queimada pelo Exército francês, para produzir botas para os soldados. Só foi redescoberto nos anos 30, quando Henri Langlois, fundador da Cinemateca Francesa, restaurou sua obra remanescente.


L'homme a la tête en caoutchouc (1901)




L'Éclipse (1907)




Les cartes vivantes (1904)




L'homme orchestre (1900)